terça-feira, fevereiro 23, 2010

Pessoas que eu conheci e nunca mais vi I

Na sexta-série conheci um garoto de sombracelhas falhadas,calças puídas e identidade sexual duvidosa.
Três anos mais velho que eu tinha uma vida mais que agitada e uma ficha corrida admirável.
Era menino ainda quando num acidente perdeu seu irmão, seu melhor amigo e mentor. E por quem mantinha uma eterna devoção;
Dele carregava como herança um 3x4 na carteira um casaco de flanela xadrez, uma coleção de  isqueiros velhos e a dor da falta;simbolizada por uma lágrima incrustada no canto do olho esquerdo, lágrima que não escorria, não secava e nunca ia embora.
Contudo, era uma pessoa doce, agradável e de um humor irônico que eu não vi em mais ninguém.
E eu me apeguei rapidamente a ele e seus segredos. Compartilhávamos o gosto pelas coisas simples, os pensamentos libertários e o prazer de nos sentirmos diferentes dos outros.
Depois das aulas,as vezes no horário delas,íamos pra uma praça próxima  e ficávamos conversando sobre quase tudo, música, astrologia, pais e mães, sonhos e pesadelos.
Em alguns momentos era o silêncio,eu e ele enfileirando os isqueiros no banco.
Nessas horas tínhamos a paz que nos faltava em casa.
Nos aceitávamos sem questionar ;
Nos ouvíamos sem sem julgar;
e sempre ríamos um do outro.
Quando minha vida começou a virar vida de "gente grande"e fechei os olhos com medo, ele me incentivou a abrir e encarar, crescendo como deveria ser.
Viramos dupla inseparável na escola dividíamos o lanche e a autoria de pequenas infrações, como esvaziar os pneus do fusca da professora de ciências.
Uma vez  me disse que o meu sorriso o aquecia como um pequeno sol particular,que tinha medo de ficar dependente dele e que as vezes queria levá-lo pra casa.
E em resposta sorri,deixando claro que o amava.
Por ele tive o amor mais puro e desinteressado que senti por alguém, o amei pelo o que ele era, sem idealizar e sem querê-lo pra mim.
Mas tais declarações  pararam por ali, de resto nos olhávamos, já sabíamos e era o suficiente.
Quando ele faltava à escola, oque era frequente, eu virava uma menina murcha e quieta encostada em qualquer parede.Nesses dias, eu ia dormir assim que chegava em casa,acelerando a chegada do dia seguinte.
Mas um dia eu dormi demais e perdi a hora, e quando acordei eu já tinha mais idade,um filho e novas responsabilidades.
E aquele garoto tinha ido embora, sem deixar pistas, nem um bilhete dizendo oque fazer agora.
E eu nunca mais soube dele e de suas botas manchadas.
De vez em quando me pego pensando nele, com saudades dessa amizade que ficou perdida no passado, entre a escola, a praça, nas ruas de um condomínios na barra da Tijuca.

6 comentários:

  1. Nossa bela historia,eu li duas vezes parabéns pela sua forma de diferimento

    ResponderExcluir
  2. amor, dor, solidariedade, sofrimento... o q há incrustado na vida d cada um??

    ResponderExcluir
  3. Choquei simplesmente...
    Ass: Maria

    ResponderExcluir
  4. Realmente...
    A Vida nos prega peça...!


    Visite !
    http://igtruelovephotos.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  5. E o que será que enfim resultou desse encontro pós-encontro? Será que as lembranças se encontraram em algum ponto comum?

    Beijo!

    ResponderExcluir
  6. Aproveitando a deixa do twitter..seguindo aqui tbm!

    ResponderExcluir