sábado, janeiro 30, 2010

Saí pra encontrar Carlos


    Saí pra encontrar Carlos, sem marcar ou ligar, porque sabia onde estaria.
    O sol já fraco de quase seis dividia a tarde com um vento leve e constante, quando do fim do calçadão avistei Carlos sentado na praia da Macumba, com sua prancha fincada na areia enquanto olhava as ondas arrebentando na pedra.
   Caminhei devagar as suas costas, me sentei ao seu lado e perguntei: - Quando vai tomar vergonha e comprar uma sunga nova?
-essa é a mais confortável de todas, além disso, essa cor realça meu tom de pele.
    Ele responde, me abraça me beija a bochecha e diz que engordei, e sabe disso porque meus peitos ficam mais redondos, e completa dizendo que fico melhor assim.
-Como sabia que eu estaria aqui?
-Verão de janeiro, o que tem mais pra se fazer a essa hora por aqui?
-E se eu não estivesse?
-Esperaria, eu sei que você viria...
-Bruxa!
    Ele elogia meu esmalte lilás, depois deita a cabeça nas minhas coxas as ajeitando como se fossem almofadas. E falamos sobre filhos, sobre os livros do Bauman, depilação masculina, o novo zodíaco, sobre os ex e as tatoos que ainda não fizemos.
    Na verdade, na presença dele reabasteço meu estoque de bom humor, o otimismo e a paixão pela vida, coisas que eu não posso comprar quando acaba, como faço com o shampoo, e nem encontro fácil por aí, poucas pessoas conseguem me devolver o ânimo e melhorar meu astral como Carlos faz.
   O quiosque atrás da gente tocava um pagode antigo, e nós bebemos um Guaracamp enquanto lhe contei um sonho que estava se repetindo a uma semana, nesse sonho eu me via perdida num laranjal infinito, carregava as laranjas colhidas na saia do vestido e sempre acordava sentindo o cheiro delas. 
Pensamos em algumas definições freudianas, então ele lembrou que para os orientais, sonhos com laranjas anunciavam casamento rico, rimos e optamos por acreditar num recado do meu inconsciente pra que eu tomasse mais suco natural, e largasse de vez a coca cola.
   Dividimos em silêncio um instante de paz diante do mar e o sol se fez tão pouco que as luzes começaram a se acender.
   Desfrutei um pouco mais da alegria infantil que sinto quando encontro Carlos, enquanto ele me acompanha até a entrada do Terreirão, onde fica o ponto mais próximo. O ônibus vem, abraço, beijo e tchau.
Passo pela roleta enquanto o ônibus dobra a esquina, e vejo Carlos sumir na Estrada do Pontal, com sua bicicleta e sua prancha amarela.